terça-feira, 8 de março de 2011

Organização política e usos das Redes Sociais

Nos últimos anos testemunhamos um uso mais intensivo das tecnologias da informação e da comunicação - TICs, por parte de movimentos sociais para a contestação política no interior das nações. Mas os usos das TICs são muitas vezes mal compreendidos pela imprensa, que superestima o papel das redes sociais digitais no âmbito das principais manifestações ocorridas nas duas últimas décadas.

Na realidade, esses espaços digitais são sub-produtos oriundos da soma do desenvolvimento das TICs com iniciativas de organizações políticas de base que tenham a possibilidade de contar com um suporte de comunicação digital. Sabe-se que a Internet ainda não se configura como um meio de comunicação de massa, restringindo-se às sociedades mais desenvolvidas, embora continue a crescer a taxas altíssimas, principalmente entre os países em desenvolvimento. A questão é que, em qualquer situação na qual haja necessidade de organização política com uso de redes sociais digitais, é primordial que haja acesso aos suportes de comunicação da informação. Do contrário, poderá haver, no máximo, a divulgação de iniciativas políticas em andamento, mesmo assim, para aqueles que possuem acesso às redes sociais digitais. Nesse sentido, pode-se dizer que essas redes podem contribuir mas não determinar transformações radicais de regimes políticos ou formas de governo.

O final do último milênio foi palco da primeira grande manifestação social apoiada com o uso das TICs. Em 1999, ocorreu em Seattle uma manifestação contra a reunião da Organização Mundial do Comércio-OMC, que ficou conhecida como a Batalha de Seattle. O mais marcante é que, pela primeira vez, uma manifestação foi totalmente organizada com a utilização de redes sociais digitais. Mais importante do que constatar isso, é que está se falando de um movimento ocorrido em uma sociedade desenvolvida social e economicamente, situada em um país de alta performance no desenvolvimento das TICs e com alto índice de inclusão digital.

Nesse caso, existe uma relação direta entre a mobilização política e o acesso à informação, que pressupõe necessariamente, que haja acesso a um suporte de comunicação digital e, principalmente, ao TCP/IP (Protocolo de acesso à Internet). De um modo geral, a organização para a mobilização política independe do tipo de suporte utilizado para tal. Podendo ser mesmo fruto do boca-a-boca entre integrantes de determinada coletividade disposta a transformar um contexto qualquer. A diferença básica é que as redes sociais digitais dão velocidade à tomada de decisão e flexibilizam as ações do grupo, ajudando a mudar rapidamente suas estratégias.

Por outro lado, em um contexto onde não existe tal disseminação das TICs, notadamente nos países periféricos do sistema internacional de poder, a tal da mobilização política via redes sociais digitais, é pouco provável. Os atuais casos envolvendo os países muçulmanos apresentam várias gradações e especificidades em relação à forma como surgiram. No Egito, por exemplo, acredita-se que sejam muito mais fruto da mobilização oriunda das atividades comunitárias desenvolvidas nas mesquitas, do que das dinâmicas promovidas nos espaços digitais. Se essa mobilização foi determinada pelas redes sociais digitais, é outra história, e muito pouco provável que tenha ocorrido. O mesmo, de certa forma, pode ter acontecido nos outros países do norte da África e do Oriente Médio.

Portanto, a análise com relação aos usos da Internet e de seus sub-produtos, as redes sociais, deve ser cuidadosa, levando sempre em consideração o contexto social e político nos quais são pensados e organizados. As TICs são aéticas e não nascem do nada, mas da iniciativa e de relações que se dão no mundo real, concreto e ideológico.




Um comentário:

  1. Muito bom seu texto. A um só tempo valoriza o histórico das redes sociais como instrumento de mobilização popular, como foi em Seattle por ocasião da pressão pela ALCA e pelo AMI-Acordo Multilateral de Investimentos, no âmbito da OMC (em excelente documentário nas locadoras) e, desmistifica o que os grandes media forçam como determinantes nos atuais levantes no Oriente Médio.

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